terça-feira, 1 de dezembro de 2009

COMO FUNCIONA A REDE DE RELACIONAMENTOS NO MUNDO CORPORATIVO

A sua rede de relacionamento é muito maior do que você pensa. Essa rede funciona para o bem e para o mal. A sua marca é fundamental não apenas para as pessoas próximas, mas também para pessoas que tem pouco contato com você.

Vou dar um testemunho pessoal do funcionamento da rede de relacionamentos. Neste exemplo, para o bem.

Era dezembro de 1989. Participei de um movimento grevista mesmo atuando em nível gerencial. Ao todo o movimento envolveu 14 gerentes e um número muito grande de funcionários. O protesto era contra os atrasos frequentes no pagamento dos funcionários praticado pela empresa. Nessa época a inflação era alta, acima de 30% e em março de 1990 atingiu o patamar de 85%. O prejuízo com os constantes atrasos eram enormes.

Imaginem comandar um CPD com cronogramas rígidos de processamentos e os funcionários descontentes. Alguns com suas necessidades básicas não sendo atendidas em consequencia dos atrasos nos pagamentos de salários. Eu era o executivo responsável pelo CPD. Participei da grave para chamar a atenção da cúpula da empresa dos transtornos causados pelos constantes atrasos. Os relacionamentos (chefia/funcionários, empresa/empregados) atingiram níveis insuportáveis.

No dia seguinte ao movimento grevista o vice-presidente da empresa, meu chefe, me chamou. Mostrou uma foto minha e dos demais gerentes do movimento grevista. Ele lamentou minha participação e disse: se você se desculpar permanece na empresa, senão será demitido. E complementou: não foi fácil conseguir esse acordo com a diretória. Agradeci o empenho pessoal dele e respondi ter participado do movimento para chamar a atenção e mostrar claramente a gravidade da situação. Não foi uma participação emocional. Foi uma participação de quem tem a responsabilidade de tentar mudar a situação. E conclui: não há nada para se desculpar. O que eu quis e ainda quero é cobrar uma solução definitiva da empresa. Acabar com os atrasos nos pagamentos de salários.

Empresa de único dono. Autoritário. O resultado foi o esperado. Fui demitido.

Tudo bem. Eu tinha doze anos na empresa. Receberia uma bolada. E essa grana bem investida daria tranqüilidade para mim e minha família.

Na prática a situação foi outra. Para começar não recebi todos os direitos. Tive que entrar com uma ação contra a empresa (lá se vão 20 anos e embora tenha ganhado a ação em todas as instâncias, até hoje não vi a cor do dinheiro). O dinheiro que recebi na época ainda dava certa tranqüilidade. Lembrem-se o Collor havia sido eleito. O clima era de mudanças. Assim investi o dinheiro em poupança, fundo de ações, over night, ... Só não investi em dólares.

A posse do Collor estava prevista para o dia 15/03/1990. Uns dias antes procurei o gerente do banco e combinei com ele o seguinte. Se houver perspectiva de lançamento de algum plano econômico transfira todos os meus investimentos para a conta corrente. A idéia era de que ninguém em sã consciência mexeria nos valores dos correntistas.

O plano econômico veio no dia 13/03/1990, na calada da noite. Foi antecipado em dois dias. Foi decretado pelo Sarney a pedido do Collor. O gerente não titubeou. Transferiu todos os meus investimentos para a minha conta corrente. O plano seqüestrou todos os investimentos. O único investimento não atingido foi o dinheiro aplicado em dólares. Investimento que não fiz. Para cada tipo de investimento a ministra liberou o equivalente a R$ 50,00. A moeda da época nem me lembro ao certo (Cruzados, Cruzados novos, Cruzeiros, Cruzeiros novos). Houve tantas. O nome da ministra eu sei, mas prometi a mim mesmo nunca mais pronunciá-lo. A m... feita pela equipe do Collor, meu pedido e a competência do gerente significou o seguinte: eu tinha R$ 50,00 para as despesas minhas e de minha família. Na época o suficiente para a uma semana.

Quem estava empregado receberia o salário no final do mês. Era ruim, mas dava alguma esperança de solução em curto prazo. Os desempregados, com o pandemônio provocado no mercado, tinham chances remotas de conseguir um novo emprego. Na época sequer entrevistas a gente conseguia. Desesperado e sem perspectivas fiquei alucinado. Um amigo, conhecido da ministra, me procurou e disse ter falado com ela sobre a liberação dos investimentos dos desempregados. Ele me convenceu. A quatro mãos redigimos uma minuta de portaria econômica para liberação do dinheiro dos desempregados. Esse amigo estava na mesma situação, ou seja, desempregado. Em nossa redação previmos a liberação do principal mais a correção monetária do período. O fato da ministra ser da rede de relacionamento dele facilitou nossa atuação. Conseguimos liberar o principal, sem correção monetária. Essa decisão praticamente dividiu nosso investimento por 2. Recebemos metade do que tinhamos direito.

Foi aí que o meu networking funcionou. Já tinha funcionado no parágrafo anterior. Afinal era o conhecimento de minha formação e competência, por esse amigo, que me ofereceu a oportunidade de redigir a minuta da portaria dos desempregados.

Fui indicado para uma vaga em uma multinacional italiana. O mais estranho foi que minha a indicação não partiu de nenhum amigo. Partiu de um profissional de outra área da empresa. Eu não tinha praticamente contato com a área desse profissional. Ele foi contatado por uma empresa de recrutamento. Constatando sua capacidade e competência o representante da Catho perguntou se conhecia alguém da área de Tecnologia de Informação. Ele simplesmente me indicou. Disse que embora não tivesse relação de amizade comigo, o meu conceito na empresa era de um excelente profissional. Pegou dados da posição e fez questão de me telefonar informando.

Quando o atendi ao telefone tive dificuldade de ligar o nome a pessoa. Qualquer ajuda naquele período era muito bem vinda. Quase um milagre. Em duas semanas estava em Bologna, na Itália e três semanas mais tarde assumia a responsabilidade do CPD da multinacional italiana.

Ele não me indicou por ser meu amigo. Ele me indicou simplesmente porque a minha marca era boa. A minha reputação na empresa era de um excelente profissional de TI.

O desespero e o sufoco da população provocado pelo governo Collor. Foi algo sem precendentes. Um ato irresponsável, impensável e infelizmente duradouro. Algumas pessoas jamais recuperaram suas finanças. Entregaram casa, carro e tudo que tinham para saldar compromissos assumidos antes da decretação do plano. Ainda hoje correm na justiça processos dessa época. Eu fui salvo por uma rede de relacionamentos e por alguém que sequer conhecia pessoalmente.

Vehio.

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